quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Filhos do crack desafiam rede pública de saúde no RS

Bebês gerados por mães viciadas enfrentam o abandono e o preconceito já nos primeiros dias de vida

O Ministério da Saúde ainda não tem estatísticas sobre o número de gestantes viciadas em crack no País, mas, de acordo com o Censo do IBGE, o Brasil tem mais de 1,2 milhão de usuários da droga. Em Porto Alegre, somente nos primeiros quatro meses de 2011, dois hospitais registraram 70 partos de mães usuárias de crack, um número assustador, já que em 2010 os Hospitais Fêmina e Conceição tiveram 130 gestantes nessa condição em 12 meses. Em 2009, foram 87.

Os filhos do crack não apresentam uma síndrome típica, mas já foram diagnosticados como bebês com irritabilidade intensa, distúrbios e depressão respiratória, além da possibilidade de convulsão e arritmia cardíaca. A segunda geração da droga é recebida nos braços de obstetras e pediatras que ainda enfrentam dificuldades para diagnosticar cada caso. "O que se observa com frequência é que é são bebês mais irritados com dificuldades de se organizar. Nascem prematuros e menores que os outros na idade gestacional. Aqueles que tem a sorte de a mãe abandonar o vício ainda no início da gestação podem nascer bem, porque a placenta de onde vem o alimento ainda não foi comprometida", explica o neonatologista Manoel Ribeiro.

Entre as gestantes usuárias de crack que chegam aos hospitais de Porto Alegre, a maioria é adolescente. Para que saiam do vício, elas precisam da ajuda de parentes ou de assistência social. Quando não são retiradas das ruas a tempo, chegam às maternidades logo depois de ter consumido a droga e, em apenas 50% dos casos, se identificam como viciadas. Algumas fogem, logo depois de dar à luz.

Na contramão das estatísticas, Débora, de 16 anos, viciada em crack desde os 12 e moradora da zona Sul da Capital, procurou o Conselho Tutelar quando estava com 26 semanas de gestação. Desde então, ela está internada em uma unidade psiquiátrica do Hospital Conceição. Desintoxicada e com o bebê recém-nascido, ela passa a morar, em breve, em uma casa de assistência.

O neonatalogista Manoel Ribeiro lamenta que ainda sejam poucas as políticas de atendimento especializado. Para ele, é preciso detectar a mãe consumidora, fazê-la realizar o pré-natal e identificar e tratar outras doenças que possam comprometer o feto, como sífilis, HIV e hepatite. O médico ressaltou que, do ponto de vista clínico, há preparo para a assistência, mas ainda falta uma política eficiente de assistência social e de combate à drogadição.

Na Casa Lar de Ipanema, oito residências abrigam 123 crianças e adolescentes de zero a 18 anos. Atualmente, o local acolhe 25 bebês, todos filhos do crack. Em média, as crianças chegam ao local com dois meses de idade depois de receberem alta nos hospitais, onde passam por cuidados extras, por terem a saúde mais frágil.

A assistente social da Fundação de Proteção Especial do Estado, Taiane Tonotto Pacheco, explica que a realidade dessa nova geração, que chega aos abrigos trazendo marcas físicas e psicológicas do crack, obrigou os profissionais a se reestruturar. Desde 2008, as assistentes sociais e cuidadoras convivem com crianças que apresentam comportamento diferenciado, com choro intenso, e que, além de filhas do crack, também são vítimas de abandono.

O superintendente do Grupo Hospital Conceição, Neio Pereira, reconhece que ainda há dificuldades na criação de políticas para atender às mães e às crianças. O Estado precisa buscar os pacientes, que não vem até os serviços de assistência. O que acontece, na maioria das vezes, é que logo após o parto, as mães fogem do hospital antes da alta, deixando o bebê.

A situação expõe a falta de uma política específica de assistência a gestantes viciadas e a estimulação do vínculo entre mães e bebês. A assistente social Taiane ressaltou ainda um dado estarrecedor. Crianças internadas na Casa Lar em que ela trabalha recebem, a cada ano, um novo irmão.

Com o tempo, além de lidar com as sequelas físicas do uso do crack pela mãe durante a gestação, a segunda geração da droga precisa lidar com o preconceito. Embora sejam maioria na lista de adoção, ainda há famílias que rejeitam bebês nascidos de mães usuárias da droga por falta de informação ou receio, por serem mais frágeis e apresentarem predisposição para a drogadição.

Em 2010, o Grupo Hospitalar Conceição criou o consultório-rua - uma van, que circula pela cidade abordando usuários de droga e tentando mostrar a eles uma perspectiva de redução de danos. Ainda há, desde o ano passado, dois Centros de Atenção Psicossocial - um deles com atendimento integral a crianças e adolescentes na zona Norte. O governo do Estado também mantém programas de combate às drogas e assistência a usuários, mas ainda não há nenhuma iniciativa específica para as gestantes viciadas.

Ouça o áudio: A realidade nos hospitais que acolhem as gestantes usuárias de crack no RS Ouça o áudio: A situação do bebês em casas de acolhimento depois do abandono
Fonte: Tatiane de Sousa / Rádio Guaíba

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